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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Resenha “O espetáculo das Raças – Cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930”, de Lilia Moritz Schwarcz


Breve apresentação da obra e autora

A obra utilizada para a resenha a seguir é “O espetáculo das Raças – Cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930”, de Lilia Moritz Schwarcz. A autora é professora livre-docente do Departamento de Antropologia da USP e já publicou diversos outros títulos, inclusive o quarto volume da coleção Historia da Vida Privada no Brasil . Na presente obra, tratam-se principalmente as discussões científicas acerca da miscigenação de raças no período indicado no título.
Vale lembrar que “O espetáculo das raças” foi editado pela primeira vez em 1993, revelando, desta forma, o pioneirismo da autora na abordagem desses temas. A leitura fácil porém esconde a complexidade dos temas abordados, necessitando de uma maior atenção em pontos de destaque para a melhor absorção do conhecimento que a obra proporciona.

O Brasil do fim do século XIX

Schwarcz nos lembra que o Brasil da década de 1870 é um país que está saindo gradualmente de uma situação de escravidão e, ao mesmo tempo, com uma necessidade de entender a própria constituição de seu povo. A complexidade da miscigenação existente no país era alvo de diversos estudos nacionais e de estrangeiros que vinham tentar entender nossa constituição.
Um dos exemplos de estudiosos que vieram para tentar compreender a formação do povo brasileiro, foi o baluarte do racismo, conde Artur de Gobineau, que em certo momento diz que o país “trata-se de uma população totalmente mulata viciada no sangue e no espírito e assustadoramente feia”. Vale lembrar que a vinda de muitos desses estudiosos para o Brasil era financiada pelo governo, dada a precariedade de nossas instituições de ensino e o ideal quase comum a todos da época de que principalmente a Europa era o grande centro da intelectualidade mundial. Por esses motivos, podemos apontar o sucesso das teorias estrangeiras para a explicação do caso brasileiro.
Nossas instituições primeiras de ensino, criadas no início do século XIX com a chegada da família real, ainda engatinhavam na produção intelectual, como em quase todos os pontos não só do Brasil, mas da América Latina. Essa situação fez com que as teorias europeias sobre as raças fossem amplamente aceitas no país, sem críticas ou algum tipo de adaptação para a realidade local. Esse quadro começou a mudar no final do século XIX, pois gradualmente o Brasil se via inserido em um novo modelo político e social, fazendo surgir uma certa autenticidade no pensamento brasileiro.

A ciência no Brasil

O olhar da ciência da época para as questões raciais no Brasil se deu principalmente após a Lei do Ventre Livre, em 1871, quando a escravidão brasileira ruía gradualmente. Muitas teorias dos imperialistas europeus eram utilizadas para explicar a “inferioridade” da raça negra perante as demais, negando qualquer possibilidade de civilização dos negros. A miscigenação era vista com espanto ainda maior, pois apenas as “piores” qualidades das raças misturadas se ressaltavam.
Também no final do século XIX começam a surgir os homens da ciência no Brasil. Nomes como Nina Rodrigues, Euclides da Cunha, Sílvio Romero e Osvaldo Cruz ganharam destaque e muita popularidade na época.
Grande parte dessa elite intelectual brasileira era reprodutora dos discursos europeus, principalmente por serem de origem mais rica e muitos terem estudado na França e Inglaterra, que eram os principais polos econômicos, políticos e intelectuais da época. Suas ideias vinham principalmente das correntes positivistas, deterministas e evolucionistas. Essas correntes eram tão influentes que até hoje em nossa bandeira podemos ler “ordem e progresso”, resultado da influência direta do positivismo. Também nessa época algumas críticas ao modelo europeu começam a surgir, dando origem ao pensamento brasileiro, que começa a se constituir no final do século.
A grande notoriedade desses homens justifica-se porque a ciência era assunto em voga no finais do século XIX. Discutir ciência era a moda entre os homens letrados: diversas publicações entre revistas e livros se dedicavam ao tema, que estava em plena efervescência no país. Muitos viviam a ciência como uma espécie de sacerdócio.
Entre os temas discutidos pela ciência no final do século XIX estavam as teorias raciais da época. O assunto estava em pauta, pois a escravidão brasileira começava a ruir, e havia a necessidade em saber cientificamente qual o papel do negro na sociedade em que acabada de ser inserido. Essas teorias raciais dialogam principalmente com autores franceses do século XVIII: Rousseau Buffon e De Pauw destacam-se como grandes influências para justificar diferenças essenciais entre os homens.
Assim, podemos dividir as ideias dos homens de ciência no Brasil da época em duas principais vertentes: o antropológico, ligado às ideias de poligenismo, imutabilidade, que defendiam os tipos humanos que tinham forte ligação com o pensamento biológico e, por outro lado, os estudos etnológicos, ou seja, monogenista, evolução cultural que era ligado ao iluminismo de Rousseau, tendo como adepto Nina Rodrigues.

O papel dos museus no país

O surgimento dos primeiros museus etnográficos no país foram um grande avanço para a emancipação do pensamento cientifico do Brasil na época. Os museus também foram importantes nesse contexto para afirmar os discursos dos cientistas.
Schwarcz cita 3 principais museus: o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, que era ligado ao imperador na capital do país; o Museu Paulista (ou do Ipiranga) em São Paulo, que para muitos personificava um gabinete de quinquilharias da emergente elite paulistana do café; e o Museu Paraense Emilio Goeldi que, às portas da Floresta Amazônica, tentava criar um novo polo de intelectualidade no Brasil.
A própria autora diz:

Ao mesmo tempo em que ajudaram a popularizar no exterior a imagem de que o Brasil seria um grande laboratório racial – Um exemplo para o mundo –, introduziram os museus etnográficos no país os um olhar particular. Um olhar naturalista que classifica conjuntamente fauna, flora e o homem em suas produções. “A perfectibilidade humana fará seu papel no Brasil, assim como a natureza não cessa de agir nas especies animais e vegetais”, dizia Von Ilhering esperando em um aperfeiçoamento evolutivo nas desacreditadas populações mestiças e indígenas do país.1

Ou seja, nem só de exposições viviam os museus brasileiros, diversos estudos eram realizados em seu interior. Dialogando com o exterior, essas instituições coletavam no local em que se encontravam exemplares preciosos que atestavam as especificidades desse nosso “exótico país”, mas também possibilitaram a comprovação do problema racial.

Os institutos Históricos e Geográficos no Brasil

Outros institutos, dessa vez, os históricos e geográficos da época também são analisados pela autora. Essas instituições tinham como objetivo criar uma historia nacional e oficial, mas tinham como grande dilema a inclusão do negro e do índio na formação histórica brasileira.
Nas palavras da própria autora:

No entanto apesar a admiração que os modelos deterministas pareciam gozar, eles mais serviram de referencia do que inspiraram a interpretações originais... O projeto de Von Martius, apresentado nos primeiros anos de IHGB, ainda era o modelo vencedor. A História do Brasil consistia na história de suas três raças formadoras convivendo em ordem e respeitando as hierarquias e suas desigualdades biológicas2

Então podemos dizer que os negros eram inseridos na historia oficial brasileira do final do século XIX, como seres cientes de suas limitações e de hierarquia abaixo de outros grupos sociais apontando para um branqueamento natural da sociedade reservando um futuro branco e europeu para a nação.

As faculdades de Direito e Medicina

As primeiras faculdades de direito no Brasil, foram criadas também durante o segundo império. Apesar de ainda ser governado por um português, o Brasil buscava cada vez mais se emancipar culturalmente e intelectualmente dos lusos. O curso era muito cobiçado na época, pois os concluintes se tornavam intelectuais da sociedade local. Basta lembrar que muitos professores de História eram formados em direito, o que revela a diversidade de áreas que o curso abrangia para a época.
Essas instituições de ensino serviram, entre outras coisas, para legitimar diversos discursos raciais. Pernambuco por exemplo, oferecia cursos de antropologia criminal formando principalmente cientistas, já a faculdade paulista tinha como foco a formação de políticos. Um dado interessante a ser destacado é a falta de um currículo se não unificado, ao menos parecido, entre as faculdades que ofereciam o mesmo curso.
Segundo Schwarcz, as faculdades de medicina especialmente da Bahia e do Rio de Janeiro, também serviram parar reforçar o discurso racial no país a partir da década de 1870, apontando para o higienismo e os males da miscigenação. Segundo a própria autora: “Ou seja, para os médicos cariocas se tratava de combater doenças, para os profissionais baianos era o doente, a população doente que estava em questão” (Schwarcz, p.190).

Conclusão

Para entender as discussões raciais atuais, é preciso buscá-las na origem, por isso a leitura de “O espetáculo das raças” se torna cada vez mais importante. Com um livro ao mesmo tempo crítico e informativo, Lilia Moritz Schwarcz consegue percorrer os diversos pontos da gênese do debate racial brasileiro.
A busca pela identidade nacional começa então a partir desses homens de ciência do final do século XIX e quem sabe não terminou até hoje. Diversos historiadores brasileiros tentaram em alguns momentos entrar nessa discussão. Muitos erros e acertos foram cometidos desde o início e a discussão proposta em “O espetáculo das raças” é apenas uma delas.


















Bibliografia

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças – cientistas, instituições e questão
racial no Brasil 1870-1930\. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
1Schwarcz, 1993, p. 98
2Schwarcz, 1993, p.137

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