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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Resenha do Livro: Ancora de Emoções


Breve introdução

O presente trabalho trata-se de uma resenha do livro: Âncora de Emoções – Corpos, subjetividades e sensibilidades, um livro acadêmico da autora Maria Izilda Santos de Matos. A obra foi editada pela EDUSC no ano de 2005 e contém 180 páginas.
A autora, Maria Izilda Santos de Matos é professora do programa de Pós-Graduação da PUC-SP e da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutora em Historia pela USP, com pós-Doutorado pela Université Lumiere Lyon 2, Maria Izilda é autora de diversos trabalhos, como: Melodia e Sintonia em Lupicínio Rodrigues(2001) e Meu lar é o Botequim(2002).
Pequeno resumo da obra

O Livro Âncora de Emoções é dividido em duas partes. A primeira parte do livro nos leva ao Brasil do final do século XIX e início do século XX, quando o discurso médico dominante da época procurava criar padrões para os corpos masculinos e femininos através das propagandas.
Com a República ainda se iniciando juntamente com a industrialização, o país se via numa espécie de necessidade de “criar” um novo tipo de brasileiro e, assim, os discursos dos médicos da época tinham uma grande responsabilidade, pois a ciência passava também a ter maior importância na vida dos cidadãos. Em geral, os discursos dos médicos normatizavam os corpos das mulheres ditando a necessidade da castidade e cuidados com o corpo, pois eram desses corpos que seriam gerados os novos brasileiros. Entre outras coisas, o trabalho feminino era condenado, pois assim as mulheres não poderiam cumprir com plenitude sua natureza materna. Já os homens deveriam ser os provedores do lar, o arrimo das famílias, por isso deveriam trabalhar e se manter longe do álcool e outras coisas que os fizessem descumprir com seu papel.
Na segunda parte, a autora analisa diversas letras de musicas dos compositores Antônio Maria, Dolores Duran, Lupicínio Rodrigues (Lupi) e Vicente Celestino. A partir desses sambas-canções, criados entre as décadas de 40 e 60, é possível identificar diversos estereótipos masculinos e femininos. Nas palavras da autora: “as canções são consideradas uma documentação com grande potencial para a revelação de subjetivação de sentimentos. Se por um lado, o compositor captava, reproduzia e explorava representações que circulavam elementos de uma experiência social vivida, por outro, o seu publico incorporava, rejeitava, resistia a certas ideias, sentimentos e ressentimentos expressos pelo compositor”(Matos, 2005, pg. 92)

Os perfis Femininos e Masculinos

Alguns perfis femininos foram apresentados nos discursos médicos. Durante a época tratada no livro, a partir do fim do século XIX, com o crescimento do poder do discurso cientifico na sociedade brasileira, os médicos se colocaram como mentores da sociedade, desqualificando outras falas e estabelecendo uma oposição entre desordem e ordem para disciplinar a sociedade. Nesse contexto, os médicos criaram discursos que levavam ao entendimento popular de que a mulher era importante “agente familiar da higiene social, deveria se tornar baluarte da moral da sociedade” (Matos, 2005, pg. 47). Com isso, diversas características femininas deveriam ser trabalhadas para que pudessem prover os novos cidadãos, nesse contexto, a maternidade adquire papel fundamental . Assim, algumas atitudes femininas eram extremamente condenáveis, pois feriam a “representação simbólica ideal da mulher dedicada às tarefas do lar” (Matos, 2005, pg. 51). Havia também desqualificações de mulheres que não queriam ser mães.
Nessa época também, os médicos identificavam diversas enfermidades com sintomas idênticos os masculinos, porém os diagnósticos eram totalmente diferentes, pois essas doenças eram identificadas com base em apenas um órgão, o útero. As enfermidades que atingiam as mulheres eram vistas como decorrência dos males que decorriam de hábitos como alimentação e higiene, também das vestimentas que “impunha à mulher vísceras comprimidas, estômagos torturados, úteros fora de lugar, somados com problemas de uma vida sedentária” (Matos, 2005, pg.54).
Os homens eram identificados pelos médicos como arrimos de família, responsáveis pelo sustento do lar e pelo trabalho. A autora em certo momento escreve que “assumia-se que o homem é o indivíduo forte e que com sua agressividade e inteligencia impôs o desenvolvimento da civilização urbana, ao passo que a mulher, por sua natureza passiva e fecunda, deve perpetuar a civilização através da maternidade. Destacando as potencialidades masculinas, o discurso medico legitimava o domínio do homem sobre a mulher”.
No inicio do seculo XX, o Brasil começou a conhecer melhor um mal que assolava principalmente os homens: o Alcoolismo. Se fazia necessário afastar os homens desse mal que assolava a sociedade. Por isso começaram a ser veiculadas propagandas anti-alcoolismo que associavam o álcool com a criminalidade, loucura, mortalidade, degenerações físicas, rebaixamento moral, entre outros. Exatamente ao contrario do perfil criado para um cidadão trabalhador e pilar da família.

História das Sensibilidades e Boemia de Copacabana

Na segunda parte da obra, a autora analisa as letras de músicas de alguns dos compositores mais famosos do Brasil entre as décadas de 40 e 60 utilizando do ramo da historia das sensibilidades, “discutindo comportamentos, valores e sentimentos que são aceitos em uma sociedade num momento histórico” (MATOS, 2005, pg. 91).
Essa discussão se faz necessária, pois a época estudada pela autora nessa obra faz parte de um contexto em que e as formas de expor esses sentimentos são diferentes entre homens e mulheres. Então, da mesma forma que os discursos médicos analisados no livro criam um ideal de gêneros, as musicas analisadas ajudam a criar essa diferenciação entre as formas de sentir amor, solidão, dor e espera por homens e mulheres.
Todas essas formas de sentir, tinham entre outros lugares Copacabana como pano de fundo, pois era um espaço de convivência de boêmios, intelectuais e artistas, e onde muitas dessas composições nasceram. Com diversos bares, “nos anos 50, Copacabana era o centro de vida da então capital federal, era o bairro “quente” da noite carioca”(MATOS, 2005, Pg.93).

Diversos perfis de gênero na obra dos compositores

Na obra de Dolores Duran, as canções trazem em geral nos temas de amor, aquele amor sofrido e doído. Além das temáticas de amor, há também vingança e ódio, mas podemos perceber de forma muito marcante como o sentimento de culpa aparece nas letras. Maria Izilda nos lembra que “a internalização da culpa é uma recorrência nas canções, cabe destacar que o discurso masculino culpabilizava as mulheres, que parecem subjetivar esse sentimento tornando o um elemento fundador da sensibilidade masculina.”
É interessante perceber mesmo sendo a única compositora mulher analisada pela autora, o sentimento de culpa tão presente no discurso masculino, também está presente na obra de Dolores Duran.
Já na obra de Lupicínio Rodrigues, podemos destacar principalmente 2 perfis de mulheres, as completamente antagônicas: A dama da noite e a rainha do lar.
A autora caracteriza os perfis iniciando pela rainha do lar como “esposa dedicada nunca apresentada como sensual, inspirando antes amizade e companheirismo, enquanto a mulher da noite tem um brilho irresistível, incontrolável, rebelde às imposições da normatizadas pela sociedade, à margem dos modelos femininos tradicionais”.
Esse tipo de mulher caracterizada pelo perfil da “rainha do lar”, muito se assemelha com a mulher ideal dos discursos médicos, um tipo de mulher submissa e que faz de tudo pelo marido. Fazendo o contraponto, a dama da noite é a mulher sensual, a mulher dos sonhos dos boêmios, mas que é arredia, antagonicamente ao primeiro perfil.
A produção de Vicente Celestino, o ultimo dos compositores analisado pela autora, também foi vasta, algumas obras desse artista foram adaptadas para o cinema e televisão, como O Ébrio. Nesta canção, podemos destacar o perfil do ébrio como um homem que tem sua conduta desviada por conta de um magoa muito grande causada pela ingratidão da mulher amada e mais tarde pela morte da filha, uma desgraça ainda maior. Para sustentar esse argumento, a autora diz que “Sua situação era harmoniosa, de felicidade, prosperidade, riqueza e sempre cercado de amigos e familiares, porem, um fato rompeu esse estado. O desacerto ocorreu pelo mau proceder de uma mulher, cuja falsidade e infidelidade o levaram ao abandono e à bebida” a autora continua o argumento “vislumbrando a morte como único fim, implorava uma campa como monumento para que os outros ébrios com trajetórias idênticas pudessem depositar “suas lagrimas de dor ao peito amigo”(Matos, 2005, pg.153).
Então, o bar também surge como um lugar de fuga para a solidão e as magoas causadas pelo desamor que a pessoa querida guarda ao ébrio.

Considerações Finais

Foi de grande importância a execução dessa resenha pois com esse estudo, meus conhecimentos sobre gênero foram ampliados. A construção de diversos perfis de homens e mulheres através dos discursos médicos e também das musicas é uma pratica que se estende há muito tempo, e o livro Ancora de Emoções analisa essas construções de uma forma muito critica e explicativa.
Outro aspecto que pude também analisar é uma aparente frieza nos discursos médicos ao criar os perfis masculinos e femininos, não falando muito sobre os sentimentos que cada um trás consigo. Já nas musicas esses sentimentos são externados de forma sublime e aparente, transformando o corpo numa verdadeira Âncora de Emoções.

Bibliografia

MATOS, Maria Izilda Santos de. Ancora de Emoções: Corpos, subjetividades e sensibilidades. Bauru, SP: Edusc, 2005

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