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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Resenha do livro Visão do Paraíso – Motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil


Breve introdução

O presente trabalho se trata da resenha do livro Visão do ParaísoMotivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil, do historiador Sérgio Buarque de Holanda. A escolha dessa obra foi pautada pela sua importância para a historiografia brasileira e pela intenção de se trabalhar com categoria Historia do Imaginário.
Sérgio Buarque de Holanda, autor da obra, nasceu na São Paulo de 1902, formando-se em Ciências Jurídicas e Sociais em 1925 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1936 publica Raízes do Brasil e ingressa na Faculdade do Distrito Federal, como professor assistente. No ano de 1946 foi diretor do Museu Paulista, substituindo Afonso Taunay.
O livro utilizado na presente resenha, Visão do Paraíso, foi lançado em 1959 e originou-se da tese do estudioso para concorrer à cadeira de História da Civilização Brasileira da Universidade de São Paulo em 1957. Com a obra, Sérgio Buarque de Holanda conseguiu a vaga que pleiteava, ocupando-a até 1969, quando pede aposentadoria em solidariedade aos colegas afastados dos cargos por conta do AI-5.
O autor faleceu em São Paulo, sua cidade natal, no ano de 1982 deixando um grande legado intelectual e trabalhos significativos para a historiografia brasileira
Além de grande historiador, Sérgio Buarque de Holanda também atuou como jornalista e crítico literário. Autor de vários livros, tornam-se emblemáticos para o estudo da história do país Raízes do Brasil, Caminhos e Fronteiras e Tentativas de Mitologia.

As visões de Espanhóis e Portugueses sobre o Novo Mundo

O livro tem início comparando as cartas espanholas e portuguesas do século XVI, que relatavam os descobrimentos do Novo Mundo. Logo na primeira página do livro, o autor diz que “o gosto pela maravilha e o mistério, quase inseparável da literatura das viagens na era dos grandes descobrimentos marítimos, ocupa espaço singularmente reduzido nos escritos quinhentistas dos portugueses sobre o novo mundo” (Holanda,1959, p.1).
Na mesma época em que os espanhóis tratavam das novas terras de forma muito mais fantasiosa, os lusos as retratam de uma forma mais técnica. Ao que parece, esse tratamento acontece por influência maior do Renascimento Cultural e Científico presente à época, fazendo-os refletir em termos mais racionais, de maneira contrária aos espanhóis.
A partir dessas afirmações do autor percebe-se também que mesmo vivendo à mesma época, os navegadores portugueses estavam muito mais inseridos no contexto do Renascimento que os espanhóis. Mesmo pertencendo a uma região geográfica próxima, é interessante perceber como os pensamentos dos dois povos são delineados de formas diferentes à mesma época.
O autor faz lembrar que Colombo nos conta em suas cartas que havia chegado ao Oriente, e relata diversas paisagens e animais fantasiosos. Em certa passagem o autor diz queas primeiras notícias de Colombo sobre suas Índias, tinham começado a desvanecer-se naquele Novo Mundo os limites do possível(Holanda, 1959, p.6). Vale lembrar que Sérgio Buarque de Hollanda utiliza-se da corrente historiográfica História das Mentalidades.
Os espanhóis criaram uma série de mitos sobre suas terras, como a existência de eldorados, amazonas, serras de prata, lagoas mágicas e fontes de juventude, mas é bom salientar que, embora os portugueses tivessem uma visão mais racional, eles não deixaram de explicar as terras brasileiras em suas cartas como se fosse uma espécie de paraíso perdido, um novo Jardim do Éden, com uma geografia fantástica e abundantes recursos naturais.

A busca pelo Jardim do Éden

Antes da América Portuguesa, o continente africano que era descrito pelos lusitanos como um paraíso na Terra, afinal, muitos dos que viveram na Idade Média acreditavam na existência física do chamado “Paraíso”, e a geografia desse continente com grandes rios e recursos naturais era o que mais se aproximava ao Éden na visão medieval. Havia uma série de relatos medievais que comparavam a região, principalmente do norte da África, com o Éden.
Com o “achamento” das novas terras na América, os lusitanos se basearam em uma série de características físicas do novo mundo para reforçar a existência do Éden. Esse imaginário, somado às comparações com a descrição bíblica do paraíso, fizeram o autor afirmar que “a crença na realidade física e atual do Éden parecia então inabalável” (Holanda, 1959, p. 183). Algo muito curioso eram os relatos sobre a “ingenuidade” dos indígenas, que segundo os portugueses os faziam ser herdeiros de Adão e Eva.

Alguns Mitos

O autor nos apresenta alguns mitos criados em torno das novas terras da América, como o mito do “Dourado”, que consistia em estabelecer a existência de regiões riquíssimas em metais preciosos, como montanhas e lagos cobertos de prata, cobre, ouro entre outras pedras. Esse mito aliado às expedições de Pizarro no Peru em que foram encontraram jazidas de pedras preciosas, encorajou os portugueses a organizar expedições em busca dessas pedras. No início as expedições se restringiam ao sul da colônia, depois das noticias do êxito de Pizarro, as expedições avançaram mais ao interior, rumo às cordilheiras.
Outro mito que o autor nos aponta, este criado exclusivamente pelos lusitanos, é o de que o apostolo São Tomé esteve nessas terras, o que comprovaria a crença de que foram enviados apóstolos a todas as partes do mundo. O achado de pegadas, flechas e alguns outros vestígios davam força a tais idéias
Um dos viajantes que se deu conta desses supostos vestígios da passagem de São Tomé foi Simão de Vasconcelos. Reforçando estas crenças, uma passagem no livro em que o autor diz queuma das pegadas mostradas na Bahia de que conta Vasconcelos, referiu-se provavelmente o padre Manoel da Nóbrega, onde escreveu em carta de 1549 quesus pegadas están senaladas cabo a un rio, las quales yo fuy a ver por más certeza de la verdad, y vi com los proprios ojos quatro pisadas muy seneladas com sus dedos, las quales algunas vezes cubre el rio quando hinche.Segundo os índios, quando o santo deixou aquelas pisadas, ia fugindo dos índios que o queriam flechar, e la chegando, abriu o rio à sua passagem, e ele caminhou por seu leito a enxuto, até chegar a outra parte aonde foi à Índia. Contavam além disso, que, querendo os gentios flechá-lo, voltavam-se as setas contra eles mesmos, os matos se abriam, deixando lugar a uma vereda, por onde seguia São Tomé sem estorvo.
Assim, é possível notar a presença dos indígenas nas historia criadas pelos portugueses como “testemunhas oculares” desses mitos, ajudando a reforçar a veracidade de tais fatos.

A descrição em forma de espetáculo

É possível afirmar que essas descrições sobre o novo mundo vem carregadas de um tipo de espetáculo poético, como se os conquistadores quisessem criar uma imagem positiva do novo mundo, o que acabou por ser colocado de forma exagerada. Serve de suporte a esse pensamento a afirmação do autor de que “a simples notícia de algum continente mal sabido e que, tal como a cera, se achasse apto a receber qualquer impressão e assumir qualquer forma, suporta assim, entre muitos deles, as idealizações mais inflamadas. Idealizações estas que seria como um negativo fotográfico este nosso mundo entorpecido e incolor, em que parecia ganhar atualidade histórica a possibilidade de remissão.” (Holanda, 1959, p. 237).
Essa passagem ajuda a explicar a forma de ver e escrever adotada pelos ibéricos sobre a América, cada povo de sua forma característica, mas com algo nas descrições em comum que nos remete a um grande espetáculo.

Considerações Finais

Torna-se de grande importância a execução dessa resenha, pois assim pudemos conhecer um pouco mais o trabalho de Sérgio Buarque de Holanda. É interessante perceber que uma obra historiográfica também pode ser uma aula de língua portuguesa, uma vez que além de muito bem escrita, coloca o leitor em contato com passagens de grande erudição linguística.
É interessante também lembrar que originalmente a obra foi concebida como uma tese defendida pelo autor em um concurso para a cátedra de Historia da Civilização Brasileira da Universidade de São Paulo em 1957, acaba por tornar-se um marco na História das Mentalidades no Brasil. Enfim, um grande trabalho de Sérgio Buarque de Holanda e uma enorme fonte de conhecimento sobre um assunto tão importante de nossa História.

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